Criminal Compliance: proteção empresarial diante de crimes corporativos

Descrição do post.

9/10/20254 min read

Autor: Dr. Israel Barbosa— especialista em Direito Penal Empresarial e Compliance

Nos últimos anos, o Brasil assistiu a uma série de operações policiais e investigações que escancararam a responsabilidade de empresas em ilícitos de grande impacto, como corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes em licitações. Episódios emblemáticos da Operação Lava Jato até recentes investigações envolvendo contratos públicos na área da saúde revelaram como práticas ilícitas dentro de corporações podem gerar danos incalculáveis não apenas à economia, mas também à credibilidade institucional.

Nesse cenário, ganha protagonismo o compliance criminal, um conjunto de medidas de prevenção, monitoramento e reação a ilícitos de natureza penal cometidos no âmbito empresarial. Mais do que obrigação legal, trata-se de uma estratégia de sobrevivência e diferenciação competitiva no mercado.

1. A base normativa

A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial) e seu regulamento, o Decreto nº 11.129/2022, consolidaram no Brasil a responsabilização objetiva administrativa e civil de empresas por atos lesivos contra a administração pública. Embora a lei não trate diretamente da esfera penal, ela abriu espaço para uma cultura de integridade que hoje se entrelaça com a responsabilidade criminal.

Além disso, outros diplomas legais complementam o tema:

  • Código Penal (arts. 173 e 225, §3º da CF/88) – reconhece a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais.

  • Lei nº 9.613/1998 (Lavagem de Dinheiro) – impõe deveres de prevenção a setores econômicos estratégicos.

  • Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) – reforça a importância de programas de integridade em contratos públicos.

A soma dessas normas indica que a negligência no controle interno pode transformar empresas em rés em processos criminais.

2. O papel da Controladoria-Geral da União (CGU) e parâmetros internacionais

Em 2024, a CGU publicou o “Guia de Programas de Integridade para Empresas Privadas”CGU, 2024. O documento reforça que a adoção de medidas de compliance criminal é considerada atenuante relevante na aplicação de sanções.

No plano internacional, a Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros (internalizada pelo Decreto nº 3.678/2000) e diretrizes do UNODC (Escritório da ONU sobre Drogas e Crime) consolidam padrões de governança que influenciam diretamente a jurisprudência brasileira.

3. Elementos essenciais de um programa de compliance criminal

Um programa efetivo vai além da formalidade documental. Os principais pilares incluem:

  • Mapeamento de riscos criminais – identificar vulnerabilidades em setores como contratos, fiscal, contabilidade e licitações.

  • Códigos de conduta e políticas internas claras – inclusive com regras sobre brindes, hospitalidades e conflito de interesses.

  • Canais de denúncia eficazes e seguros – protegendo a confidencialidade e evitando retaliações.

  • Treinamentos periódicos – adaptados para diferentes níveis hierárquicos.

  • Auditorias e monitoramento contínuo – com revisão periódica de processos e fornecedores.

O diferencial está na efetividade prática. O STF e o STJ já destacaram em decisões recentes que a mera existência de um código de ética não basta: é necessário comprovar aplicação concreta das medidas de integridade.

4. Casos práticos e jurisprudência

No HC 96.099/SP, o STF reafirmou a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, consolidando a tese da autonomia da responsabilidade penal das empresas.

Já no campo da corrupção, decisões do STJ têm admitido a relevância de programas de integridade na dosimetria de sanções civis e administrativas, especialmente em acordos de leniência.

Em paralelo, investigações como as da Lava Jato demonstraram que empresas sem governança sólida se tornaram protagonistas em esquemas ilícitos, pagando um preço bilionário em multas, perda de contratos e reputação.

5. O compliance criminal como diferencial competitivo

Não se trata apenas de evitar multas. Empresas com programas robustos atraem investidores, parceiros internacionais e clientes mais exigentes. A integração entre compliance, ESG (Environmental, Social and Governance) e governança corporativa projeta credibilidade e sustentabilidade no longo prazo.

Relatório da Deloitte (2024) indicou que companhias que adotam práticas efetivas de compliance apresentam até 30% menos litígios e reduzem em até 25% os custos com auditorias externas.

Conclusão jurídica

O compliance criminal deixou de ser tendência para se tornar necessidade jurídica e estratégica. Em um país com forte aparato regulatório e judicial, negligenciar programas de integridade significa abrir as portas para responsabilização administrativa, civil e penal.

Para empresas que desejam crescer de forma sustentável, o caminho é investir em governança que una ética, prevenção e eficiência operacional. A atuação jurídica nesse campo deve ser proativa, auxiliando desde a elaboração de políticas até a condução de investigações internas e treinamentos corporativos.

Em resumo: um bom programa de compliance criminal não apenas protege contra riscos jurídicos, mas também cria valor de mercado e fortalece a imagem institucional.

Assinado por Dr. Israel — especialista em Direito Penal Empresarial e Compliance.

Fontes

  • Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) – Planalto

  • Decreto nº 11.129/2022 (Regulamenta a Lei Anticorrupção) – Planalto

  • CGU – Guia de Programas de Integridade para Empresas Privadas (2024) – CGU

  • UNODC – Guia Técnico de Integridade Corporativa – UNODC

  • HC 96.099/SP – STF – STF